Segundo a Porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, o plenário aprovou a adjudicação do fornecimento da solução tecnológica e de material de votação sensível à empresa Indra e à Sinfic a gestão do FICM, Mapeamento das Assembleias de Voto, Produção dos Cadernos Eleitorais e Sistema de Informação ao Eleitor.
“O prestígio que estas empresas têm no mercado nacional e internacional, bem como o facto de estas empresas já terem trabalhado com a CNE no processo de 2012, com eficiência reconhecida, empenho e dedicação, fizeram com que as mesmas fossem seleccionadas para continuarem a trabalhar com a Comissão Nacional Eleitoral neste pleito”, explicou Júlia Ferreira.
Março de 2013. Um administrador da empresa portuguesa Sinfic – Sistemas de Informação Industriais e Consultoria, que actua em Portugal, Angola e Moçambique, rejeita as acusações feitas pela UNITA de co-autoria de crimes no processo eleitoral angolano, escreveu então o Folha 8.
A Sinfic e seis administradores surgiam numa queixa-crime entregue pela UNITA na Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola, em que acusava sete angolanos, entre os quais dois ministros de Estado, um ministro, um secretário de Estado e três oficiais superiores, de terem praticado, “em co-autoria material e em concurso real, sete crimes contra o povo angolano, puníveis pela Lei Penal”.
Na queixa-crime, a UNITA acusava ainda seis portugueses de co-autoria dos crimes por serem administradores da Sinfic, sediada em Portugal e que “trabalha sob contrato no Centro de Processamento de Dados do Ministério da Administração do Território”.
Ou seja, todo o Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral (FICRE) esteve nas mãos, certamente limpas, dos igualmente impolutos cidadãos que gerem a Sinfic, empresa privada contratada para esse efeito.
No entanto, Paulo Amaral, um dos administradores referidos na queixa-crime, afirmou à Lusa que a Sinfic Portugal “não colocou ninguém no centro de dados”, como estava escrito no documento.
Certamente que alguns ainda se recordam que a Indra, empresa de tecnologia espanhola, também se recusou a comentar as declarações da UNITA sobre a sua contratação para o processo eleitoral em Angola, afirmando que a sua participação no acto eleitoral era puramente “técnica e tecnológica”.
De facto, tanto a Sinfic como a Indra têm toda a razão. Desde logo porque sabem que dólares é algo que o regime do MPLA tem de sobra, pouco importando o resto. E, como é regra de ouro, o cliente tem sempre razão. Então quando “fabrica” dólares em doses industriais… nada mais conta.
A Indra disse que tem no seu currículo dezenas de processos eleitorais que já conduziu em vários países, incluindo Portugal e Espanha. Não sabemos se isso, no que tange ao reino lusófono do sul da Europa, abona. Sabemos, contudo, que meter no mesmo saco as eleições portuguesas e as angolanas é o mesmo que meter um elefante no buraco de uma agulha.
“Não entramos em temas políticos. Em Angola estamos a fazer apenas desenvolvimento técnico e tecnológico”, afirmou à Lusa, em meados de Agosto de 2012, fonte da Indra, em resposta às acusações da UNITA de falta de transparência da Comissão Nacional Eleitoral na preparação das eleições gerais de 2012.
A Indra, apesar de saber que Angola (na altura como hoje) não é um Estado de Direito Democrático, explicou que “ganhou o concurso público convocado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola para realizar o escrutínio provisório e fornecer o material eleitoral das eleições gerais”.
“A Indra foi seleccionada por contar com a proposta mais alinhada com as necessidades do organismo eleitoral”, refere a empresa, recordando “a experiência do projecto realizado nas eleições legislativas de 2008”.
Para as eleições de 2008, entre o material desenhado, produzido, transportado, armazenado e distribuído pela mesma Indra em todo o território angolano encontravam-se, diz a empresa: “13.000 Kits eleitorais, 26 milhões de cédulas, 65.000 urnas de votação, 54.000 cabines de votação, incluindo cabines para portadores de necessidades especiais, 108.000 latas de tinta indelével e 8.500 PDAs para o controlo e informação ao eleitor”.
“O projecto – para o qual cerca de 8 milhões de eleitores haviam sido chamados a votar, contando com mais de 12.200 colégios de votação – implicou o desenvolvimento de sistemas de transmissão de dados, o processamento, a totalização e a difusão de resultados, ao mesmo tempo em que presumiu o emprego de infra-estruturas de Tecnologias de Informação, o desenvolvimento de software, a formação do pessoal local e o transporte do material eleitoral directamente da Espanha para Angola, para o qual foram fretados mais de 10 aviões Boeing 747”, afirma também a Indra.
Ora, por falha (obviamente involuntária) nos equipamentos de controlo das autoridades angolanas, o governo de Eduardo dos Santos referiu que apenas tinham sido comprados 10 milhões e 350 mil boletins de votos.
Tratou-se pois de um ligeiro e involuntário engano do regime. Vinte e seis milhões de boletins de voto, segundo a Indra, para uma população total a rondar então os 20 milhões.
Ao longo dos últimos trinta e tal anos, a Indra apoiou 350 processos eleitorais com 3.000 milhões de eleitores em 21 países, adaptando a sua tecnologia às necessidades concretas e legislações diferentes de cada uma dessas nações.
Ninguém, nem mesmo a UNITA, duvida que tanto a Sinfic como a Indra respondem com toda a eficiência tecnológica às necessidades de cada regime. Por alguma razão a empresa portuguesa tem como lema “colocar as tecnologias de informação, gestão e qualidade ao serviço e no reforço da competitividade e flexibilidade das organizações”.
Isso só prova, aliás, que o MPLA tem toda a razão em escolher as empresas que escolhe. Tanto a Sinfic como a Indra não estão, nem se pode exigir-lhes que estejam, preocupadas em saber se as eleições são livres ou, até, se um determinado regime tem alguma espécie de legitimidade democrática e legal.
A escolha da Indra suscitou fortes críticas da UNITA, que recordou o facto de em 2008 ter sido esta mesma empresa que forneceu os equipamentos e geriu o processamento do escrutínio, vencido de forma confortável pelo MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, com 81,64 por cento dos votos.
A UNITA acusou também a CNE de ter assinado um contrato de prestação de serviços com a Indra no valor de 130 milhões de dólares, quando, a preços de mercado, bastavam 25 milhões de dólares para os equipamentos e para assegurar a transmissão dos dados da votação a partir dos 164 municípios.
É certo que a CNE, uma sucursal eleitoral do regime, garante que o processo eleitoral foi preparado “com lisura, transparência, com vista à consolidação da ainda jovem democracia”, por isso manifestou a sua “preocupação face às notícias veiculadas”, que “punham em causa a legalidade das deliberações tomadas pelo plenário”.
A transparência foi tanta em 2012, tal como em 2008 e certamente como em 2017, que até os mortos votaram e em alguns círculos eleitorais apareceram mais votos do que eleitores inscritos.
Parafraseando o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, é caso para – também neste assunto – dizer que a UNITA não tem força, mas tem razão. Pouco adianta, mas tem.